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Inocênte de Quê?

"É relativamente fácil suportar a injustiça. O mais difícil é suportar a Justiça" - Henry Menchen

"É relativamente fácil suportar a injustiça. O mais difícil é suportar a Justiça" - Henry Menchen

Inocênte de Quê?

30
Jan21

134 - Recurso para a Relação

António Dias

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134

4.

A fls. 9, da escolha e determinação da medida concreta da pena, é dito:

(…) “… não esquecendo o perigo que representa despejar o esgoto para a via pública, por razão mesquinha de má vizinhança.”

(…) “… dispor-se, porventura, por vingança que, diga-se, mesquinha, praticar tais factos provocando um dano muito superior ao valor material do que estragou. O desrespeito pela vida em sociedade é manifesto. O dolo é directo e intenso.”

E, ainda:

“… sendo de elevada condição social e económica.”

  1. Prestaram declarações em Tribunal, o arguido António Miranda, as testemunhas de acusação, José Bonito, Henrique Urbano, Carlos Pedroso, Sílvia Carvalho, Vítor Carvalho e Carlos Pires, e as de defesa, Ana Miranda e Cristina Piedade;

 

  1. IMPUGNAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

A1) Impugnação dos pontos 4., 5., e 6., dos factos provados

  1. Quando o Tribunal a quo (de onde veio) decide como provado, em 4., 5., e 6., da Fundamentação, está, unicamente, a valorizar o depoimento da testemunha Vítor Carvalho, como é referido directamente na sentença em duas ocasiões,e, indirectamente, por exclusão de partes:

- a fls. 6, “… O Vítor Carvalho foi a testemunha principal e a que presenciou a prática dos factos.”;

- ainda a fls. 6, “… o tribunal não teve qualquer dúvida sobre o depoimento desta testemunha que reputa de muito importante, pois doutro modo, a conduta do arguido passava impune.”;

- concluindo que, “Esta testemunha não nos ofereceu qualquer dúvida sobre os factos, mostrando-se clara e sem contradições.”;

- por outro lado, a fls. 5, 6 e 7, é dito que as restantes testemunhas, as de acusação, funcionários do SMAS e Sílvia Carvalho, e as de defesa, nada viram quanto aos factos provados em 4., 5., e 6.;

  1. Ora, a sentença omite a relação de vizinhança da testemunha Vítor Carvalho com o arguido, que qualifica este de mau vizinho e conflituoso, fundado num preconceito do “vizinho inimigo”, imputando-lhe a responsabilidade por factos passados que não presenciou, não concretiza, mas não deixa de os atribuir ao arguido;
  1. a) Desde logo o M°. Juíz não questiona a testemunha Vítor Carvalho pelas suas relações pessoais, familiares e profissionais com os participantes, nem pelo seu interesse na causa, relações de interesse com o arguido, nem sobre qualquer circunstância relevante para a avaliação da credibilidade do depoimento, em violação do disposto nos art°s. 348°, nº 3, e 138°, nº 3, ambos do Cód. Proc. Penal.

(00:00 a 00:25s, das declarações de Vítor Carvalho em audiência de discussão e julgamento que constam do CD áudio da gravação daquela, através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo);

  1. b) O M°Juiz também conduziu, sem motivo entendível, não apenas o interrogatório de Vitor Carvalho, durante aproximadamente 18 minutos, em violação do disposto no art. 348°, nº 4, mas, também, o depoimento da testemunha, violando o disposto no art. 138°, nº 2, ambos do Cód. Proc. Penal, prejudicando a espontaneidade e a sinceridade das suas respostas;

(01:22 a 19:00m, das declarações de Vítor Carvalho);

  1. c) A testemunha Vítor Carvalho, interrogada pelo mandatário do arguido sobre em que é que baseia “o conflituoso que o arguido é”, diz:

- (…) “seja  ou não seja reconhecido nas imagens, eu reconheço, não tenho a menor dúvida que quem está a praticar aqueles actos é o arguido” (…), “e já tem havido outros factos (…)”;

(12:37 a 13:20m, da 2ª parte das declarações de Vítor Carvalho);

- (…) “Não trouxe agora uma lista, mas antes destes acontecimentos, aconteceram outras coisas, nomeadamente, são coisas que eu, que são até ridículas, mas é o que é. Nós pomos, normalmente, o caixote do lixo para ser recolhido à 3ª e à 6ª, como eu punha, agora já não ponho, porque o caixote do lixo aparecia todo sujo, com detritos, digamos assim, de animais. Uma vez, uma vez, eu ouvi barulho, e vi quem é que estava a fazer … esse trabalho.”;

(14:30 a 15:34m, da 2ª parte das declarações de Vítor Carvalho);

  1. E, a mesma testemunha, questionada pelo mandatário do arguido sobre como caracterizaria a sua relação com o arguido, afirma:

- (…) “Não tenho relação nenhuma com o arguido. Como vizinho, considero um mau vizinho. Provavelmente, ele pensa o mesmo de mim.”

(20:27 a 20:36m, da 2ª parte das declarações de Vítor Carvalho);

23
Jan21

133 - Recurso para a Relação

António Dias

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133

          DA DECISÃO

1.

A Douta sentença ora em recurso, condenou o arguido António Miranda pela prática, como autor material de um crime de dano qualificado, p. e p. pelo art. 213º, nº 1, alínea c) do Cód. Penal, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 9,00 €, num total de 1.800,00 €;

  1. b) Mais condenou o arguido/demandado a pagar à assistente/demandante SMAS, o montante de 2.392,92 € acrescido dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a notificação do pedido até integral pagamento;
  2. c) E também no pagamento de 2 UC (Unidade de Conta Processual) de taxa de justiça, custas e demais encargos legais;

2.

Na fundamentação da sentença, o Tribunal a quo decidiu como matéria de facto provada, ora relevante para o presente recurso:

“4. No dia 21 de setembro de 2012, o arguido retirou a ponta da mangueira de descarga da bomba elevatória de dentro da caixa de visita da rede e deixou-a a correr para o pavimento, conspurcando-o com o esgoto doméstico;

  1. O arguido voltou, posteriormente, a retirar a mangueira de dentro da caixa de visita da rede e deixou-a a correr no logradouro residência sita no nº 4, daquela Praceta;
  2. No dia 23 de novembro de 2012, o arguido cortou a mangueira provisória onde passa o esgoto doméstico, o que conduziu ao derrame de todo o esgoto bombeado.”

3.

Na motivação da decisão sobre a matéria de facto, em D), a fls. 5 da sentença, “Convicção do Tribunal”, o Tribunal a quo com relevância para aquela decisão dos pontos 4., 5. E 6., referidos, supra, em 2., é dito:

“A convicção do tribunal assentou, após análise crítica de toda a prova produzida em audiência, após apreciação criteriosa da mesma, usando as regras de experiência comum.”

A seguir refere que o arguido negou a prática dos factos e que as testemunhas do SMAS arroladas pela acusação nada viram dos factos constantes da mesma.

Debruça-se depois sobre os depoimentos do casal vizinho do arguido, começando pela testemunha Sílvia Carvalho:

“A testemunha Sílvia Carvalho chamou várias vezes o SMAS e viu as imagens do corte da mangueira, imagens essas que se encontram juntas aos autos e que foram exibidas em tribunal e onde se vê o arguido a deslocar-se na direcção do local onde se encontrava a mangueira e os demais utensílios que estavam a resolver o episódio e a tirá-la e coloca-la para dentro do quintal da testemunha Vítor Carvalho.”

Seguidamente, sobre o depoimento do marido, Vítor Carvalho, vizinho do arguido:

“O Vítor Carvalho, foi a testemunha principal e a que presenciou a prática dos factos. Referiu ter visto o arguido a retirar a mangueira e ter-se apercebido, noutra das ocasiões a dirigir-se ao local onde a mangueira se encontrava e ter verificado que o arguido levava qualquer coisa na mão cuja natureza não se apercebeu e ter feito o gesto do corte, nesta altura, dentro do muro do seu quintal, pois houve momento em que a mangueira passava pelo interior daquele espaço.

Referiu, instado a fazê-lo, que viu os movimentos do arguido, a partir do seu escritório que fica numa esquina da sua casa e que lhe permite alcançar o movimento que o arguido fez.

Embora instado a exibir mais filmes, o tribunal não teve qualquer dúvida sobre o depoimento desta testemunha que reputa de muito importante, pois doutro modo, a conduta do arguido passava impune. Esta testemunha não nos ofereceu qualquer dúvida sobre os factos, mostrando-se clara e sem contradições.”

E, ainda, a fls. 7, truncado no texto da sentença:

(…) “Estava no escritório (a testemunha Vítor Carvalho) e viu o arguido a deslocar-se na direcção onde se encontrava a mangueira. Viu deslocar-se para o local, não viu contudo o que levava na mão. Estava no escritório da sua casa que fica numa esquina de cujo local alcança o local onde estava a mangueira, pelo que o viu.”

Quanto ao depoimento das testemunhas de defesa, o Meritíssimo Juiz opina:

“A defesa arrolou testemunhas que não viram nada, nem queriam ver. A mulher, num depoimento confuso, tentou dizer que iam para o Centro Comercial quando o marido chegava a casa e que, por isso, não podia ter sido ele.”

“Uma outra testemunha que não mora na praceta, mas no acesso, tentou «empurrar» responsabilidade para uns jardineiros que ali vão trabalhar. O seu depoimento de tão desconexo, não mereceu qualquer credibilidade ao tribunal, sendo certo que não se apercebeu porque, em devido tempo, não trataram de responsabilizar e fazer com que os tais jardineiros fossem mandados embora.”

“Entendemos, porém, que tal depoimento é tão sem nexo que nem cuidamos de fazer uma análise mais detalhada do mesmo.”

E remata:

“O tribunal não tem qualquer dúvida sobre os factos dados como provados, pois os documentos, no que respeita às datas e aos valores e os depoimentos não deixaram qualquer margem para dúvida.”

17
Jan21

132 - Recurso para a Relação

António Dias

 

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132

Recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa

Exmo. Senhor Dr. Juiz de Direito

António Miranda, arguido, já identificado nos autos, condenado que foi por Douta sentença de 10/07/2015, por não se conformar com a mesma, dela vem interpor recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos dos art°s. 399°, 401°, nº 1, alínea b), 406°, nº 1, 407°, nº 2, alínea a), 408°, nº 1, alínea a), e 427°, todos do Cód. Proc. Penal.

 Para tanto, e de acordo com os art°s. 411° e 412° do mesmo diploma legal, a seguir apresenta a sua motivação.

Exmos. Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa

  1. Termos em que se recorre:

O arguido não pode conformar-se com a sentença, ora em crise, uma vez que a mesma se encontra ferida de múltiplas nulidades, ao serem dados como provados factos para os quais não foi feita prova suficiente em audiência de discussão e julgamento, para além da violação do disposto nos art°s. 374°, nº 2, 379°, nº. 1, alínea c), e 410°, n°s. 1 e 2, alíneas a) e c), todos do Cód. Proc. Penal;

  1. IMPUGNAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

Dado que a Sentença julgou erradamente factos dados como provados, devem ser dados como não provados os pontos 4., 5., e 6., dos factos provados da fundamentação.

  1. NULIDADE DA SENTENÇA

Nulidade da Sentença por falta, deficiência e omissão, da indicação e exame crítico das provas, de acordo com os art°s 374°, n° 2, e 379º, nº 1, alímea c), insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, de acordo com o artº 410º, nºs 1 e 2, alínea a) e c), todos do Código de Processo Penal.

10
Jan21

131 - Julgamento - Déjá-vu 1

António Dias

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131

O deputado da Assembleia da República Pedro Delgado Alves (PS) foi condenado a uma pena de multa pelo atropelamento de uma funcionária municipal, cantoneira da recolha do lixo urbano, em 2016. Estava inicialmente acusado pelo Ministério Público de um crime de ofensa à integridade física por negligência grave, punível até dois anos de prisão ou multa de 240 dias. Pelas 01:50 de 17 de maio de 2016, conduzia um veículo automóvel na Avenida Almirante Gago Coutinho, sentido norte/sul, na segunda fila de trânsito (faixa do meio). Na primeira fila de trânsito encontrava-se um camião de recolha de lixo devidamente assinalado, com as respetivas luzes de cor amarela ligadas. Quando o arguido se aproximava do local onde se encontrava parado o veículo pesado de recolha de lixo, perdeu o controlo de veículo, saiu da sua fila de trânsito e foi embater com a frente, lado direito, do veículo por si conduzido, no veículo pesado de recolha de lixo, do lado esquerdo, junto ao estribo, onde estava a trabalhadora. Do acidente resultou perigo para a vida da vítima, que ficou 596 dias de baixa médica e acabou por perder o emprego. No entanto a juíza considerou que do acidente não resultou “perigo para a vida” e decidiu desqualificar o crime para ofensa à integridade física por negligência simples. Assim, o tribunal, que “deu como provados todos os factos descritos na acusação”, decidiu aplicar uma pena de multa de 50 dias, num total de dois mil euros.

O que levou a juíza a aplicar uma pena tão leve, uma vez que não tinha conhecimento técnico para aferir se houve ou não perigo de vida?

02
Jan21

130 - Julgamento - Déjá-vu

António Dias

Juiz 1.jpg

130

“O «perdão real» transformara-se num expediente de rotina, combinando-se com a comutação de penas e os «alvarás de fiança» (…). O expediente produzia uma sutil alquimia: ao agraciar o réu, o rei imprimia a marca do seu poder sobre indivíduos que escapavam, no mais das vezes, às perseguições ordinárias. Ineficientes , tais perseguições eram capazes de revelar a fragilidade do sistema penal. Mais além, o rei auferia benefícios para seu tesouro , graças à multa aplicada aos réus (…). A incompetência da justiça não era segredo para ninguém.” – “O mal sobre a terra” – uma história do terramoto de Lisboa, Mary del Priore, pág. 43 e 44.

A tradição mantém-se nos dias de hoje, os juízes tentam extrair o maior valor monetário possível ao arguido, recorrendo a sentenças mirabolantes, para que não falte dinheiro nos cofres do estado para os seus ordenados e mordomias.

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